Poder feminino na Antiguidade Tardia: O mosaico 'A Coroação da Vencedora' em Villa Romana Del Casale


Tradução e adaptação: Mare Nostrum - Barbara C. L. da Silva
A Villa Romana del Casale é uma vila romana luxosa do século IV localizada fora da cidade da Piazza Armerina, na Sicília. A vila é justificadamente famosa pela sua impressionante coleção de mosaicos, que se estende por mais de 3.500 metros quadrados; esses mosaicos refletem temas comuns à época, usando meios diretos e simbólicos enaltecer o senhor ou o proprietário[1]. A coleção inclui vários mosaicos fantásticos como "Os Trabalhadores de Hércules", bem como representações realistas, incluindo "A Grande Caçada" e "A Coroação da Vencedora", informalmente apelidado de "Garotas de Biquíni". A mistura de cenas mitológicas e vida diária requer ao espectador que se pergunte o que esses mosaicos significavam para as pessoas que os criaram e viveram com eles e por que o mosaico "A Coroação da Vencedora" é tão único na coleção de mosaicos que sobrevivem à antiguidade.
Descoberto em 1761, nenhuma escavação séria ocorreu até 1950-1955 quando o esplendor da mansão foi revelado[2]. A Villa del Casale está espalhada por três grandes terraços ao pé de uma colina e está organizada em torno de três eixos diferentes[3]. No lado leste é o primeiro terraço que é cercado por um aqueduto e contém os apartamentos privados, a basílica e o corredor da Grande Caçada[4]. O segundo terraço é centrado em um pátio retangular que inclui um complexo triclinium[5] romano e um pátio oval, ambos acessíveis a partir do corredor citado anteriormente. O terceiro terraço abrigava o complexo de banho e a entrada monumental da Villa[6]. O extenso número de mosaicos policromados, decoração em muro de mármore, estátuas e fontes mostram a riqueza extravagante investida neste refúgio no campo. A  impressionante vila é pensada, por alguns, pertencer ao imperador Maximiano, que governou o império juntamente com Diocleciano (284-305 A.D.), que teria usado a propriedade como seu palácio de verão[7]. Seja a vila pertencente à família imperial ou não, é discutível, no entanto, não há dúvida de que o patrono pertencia a um escalão superior da sociedade romana.
O complexo foi concebido para ser tanto uma residência privada como um local adequado para realizar negócios. Haviam vários quartos que teriam sido usados ​​para entreter grandes grupos de pessoas, incluindo a basílica e o triclinium. No entanto, o mosaico "A Coroação da Vencedora" está localizado em um dos quartos dos apartamentos particulares. Este mosaico foi originalmente pensado para representar um concurso de beleza, mas interpretações mais recentes determinaram que a cena é uma competição atlética entre mulheres[8]. O patrocínio de concursos atléticos femininos teria sido associado apenas aos níveis mais altos da sociedade e, portanto, reflete sobre o status elevado do proprietário[9]. As charmosas garotas de biquíni estão escassamente vestidas com o que se parece com biquínis modernos ou roupas íntimas. As personagens estão participando de uma demonstração de habilidade atlética e são representadas jogando bola, se exercitando com pesos e segurando um disco. Na seção superior do quadro, há cinco mulheres, cada uma delas demonstrando suas habilidades específicas. O canto superior esquerdo da borda está faltando na cena e tudo o que é visível da primeira mulher são suas pernas. Abaixo, há outra fila de cinco mulheres, as duas mulheres no canto inferior direito estão jogando uma bola entre si, enquanto as duas da esquerda são coroadas vencedoras por uma mulher em uma toga amarela. Além da linha divisória que separa as duas filas de mulheres, não há características no fundo para avaliar a localização da competição, desprovida de qualquer sugestão em uma configuração, a cena parece ser uma representação genérica de jogos esportivos. A mulher na toga amarela está colocando uma coroa na cabeça de uma vencedora, enquanto a outra já está vestindo sua coroa, mas tocando com a mão direita como se estivesse a segurando em sua cabeça. Ambas os campeãs recebem um ramo de palmeiras que significa sua vitória, uma recompensa típica para os campeões de jogos. Embora estejam faltando detalhes específicos nas cenas, a habilidade do artista do mosaico é óbvia na representação realista dos atletas e seus movimentos corporais.
Em contraste com as atletas totalmente, ou escassamente, cobertas a mulher na toga amarela merece menção especial. Seu peito direito está exposto, fazendo com que ele se destaque mais do que as outras mulheres. É importante mencionar que seu personagem na imagem pode ser interpretado como uma pessoa real ou uma figura representativa da deusa Tyche¹. A personificação dos jogos geralmente aparece em forma feminina, simbolizando competição e vitória[10]. Essas personificações muitas vezes se assemelhavam a Afrodite ou ninfas e incluíam figuras semidrapedas ou nuas que geralmente ocorria em arte de mosaicos e demonstra influência grega nessas artes encontradas na Villa.
O termo personificação é usado para denotar uma representação antropomórfica de lugares ou coisas não-humanas, incluindo conceitos abstratos[11]. No entanto, sem quaisquer outras pistas visuais para colocar o contexto, sua natureza exata é largamente deixada à especulação.
Em termos gerais, Roma era uma sociedade moralista que rejeitava a sexualidade aberta de seus predecessores gregos. No entanto, no sul da Itália, especialmente na Sicília, a influência da cultura grega estava presente em muitas obras de arte. Os rituais das mulheres foram refletidos pelas ofertas de figuras femininas de terracota nua que também podem ter sido criadas como presentes de casamento[12]. Durante o período helenístico tardio, já no século IV a.C, esses nus e seminus em terracota  circulavam em Corinto e em outros lugares e incluíam figuras femininas[13] semidrapedas. A sensualidade de tais artefatos, bem como o mosaico "A Coroação da Vencedora" que foram produzidos no terceiro século nos leva a questionar se a vida romana na Sicília durante esse período foi dominada pelo puritanismo moral que foi idealizado por escritores posteriores, tais como como Cicero, Salústio e Lívio[14]. Nas províncias do norte da África, os concursos atléticos de estilo grego eram extremamente populares, especialmente durante o segundo, terceiro e quarto séculos[15]. A influência clássica do grego, juntamente com o estilo dos mosaicos na Villa del Casale, levaram os estudiosos a acreditar que as obras eram provavelmente feitas por artistas da África e que foram importadas para decorar o complexo. A África do Norte romana foi uma das regiões mais ricas do Império no segundo e terceiro séculos da Era Comum, como resultado, essas províncias estão entre as mais ricas em monumentos sobreviventes[16]. Ironicamente, foi na Itália, na Gália e na África que as representações atléticas tradicionais gregas foram mais populares, enquanto os mosaicos atléticos na Grécia são bastante raros[17].
Também é importante notar que, indiscutivelmente, o maior espaço da vila - a grande basílica - não tem um piso em mosaico, mas foi pavimentado em opus sectile[18], o que é útil para demonstrar que era mármore, não mosaico, o que constituía o material de maior prestígio no mundo romano[19]. Podemos inferir a partir do local do mosaico "A Coroação da Vencedora", descoberto em um dos quartos privados da vila, que este mosaico não teria sido visto por qualquer visitante casual. Este quarto poderia ter sido usado como uma academia real para as mulheres da casa, ou um possível lugar para elas se prepararem. O papel das mulheres na casa foi celebrado pela cultura romana e o status de elite do proprietário desta vila significava que eles provavelmente tiveram vários servos para atender a casa e que as mulheres poderiam passar o tempo com mais tranquilidade em casa do que em uma típica esposa romana.
A interpretação de mosaicos antigos tem sido obtida através da lente moderna, mas é importante considerar os valores da cultura que criaram obras de arte ao considerar sua relação com a sociedade em geral, bem como seu lugar na história. Interpretar o significado que as decorações de mosaicos tinham para os romanos pode ser problemático, especialmente quando se considera um mosaico que rompe com a descrição mais comum de assuntos mitológicos ou religiosos, como no caso do mosaico de chão "A Coroação da Vencedora". A inclusão de mulheres em competições que costumavam ser reservadas para homens que buscavam a glória era rara, quase tão rara quanto o mosaico sobrevivente que representa uma dessas competições. A aptidão física e o prestígio da vitória foram altamente valorizados na sociedade romana e se estenderam do campo de batalha até a arena. Este mosaico é um exemplo raro de mulheres que participam de atividades que eram principalmente reservadas para homens.
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[N.T.] 
¹ Equivalente a deusa Fortuna, Tyche era a divindade responsável pela prosperidade de um local, seu destino e sorte. 
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Notas:
[1] Patrizio Pensabene and Enrico Gallocchio, “The Villa del Casale of Piazza Armerina,” Expedition 53, no. 2: 29-37, Academic Search Complete, EBSCOhost, accessed November 20, 2012
[2] The John Paul Getty Museum, “Luxury Living in Late Roman Sicily: the Villa at Piazza Armerina”, The John Paul Getty Museum, www.getty.edu/museum/programs/lectures/villa_at_piazza_armerina_lecture.html, accessed November 18, 2012
[3] Pensabene, “The Villa del Casale of Piazza Armerina” pg. 30
[4] Pensabene, “The Villa del Casale of Piazza Armerina” pg. 30
[5] Um triclinium (plural: triclinia) é uma sala de jantar formal em um edifício romano.
[6] Pensabene, “The Villa del Casale of Piazza Armerina” pg. 30
[7] Francine Prose, “Ferocious Elegance: The Mosaics of Sicily's Villa Romana del Casale,” Archaeology Odyssey 6, no. 2, March 01, 2003, accessed November 18, 2012
[8] Prose, “Ferocious Elegance” pg. 28
[9] Pensabene, “The Villa del Casale of Piazza Armerina” pg. 34
[10] Betsey A. Robinson, "Good Luck" from Corinth: A Mosaic of Allegory, Athletics, and City Identity." American Journal of Archaeology 116 (2012), no. 1: 105-132, Academic Search Complete, EBSCOhost, accessed November 28, 2012
[11] Robinson, “Good Luck”
[12] Elaine Fantham,  Helene P. Foley, Natalie Boymel Kampen, Sarah B. Pomeroy, and H.A. Shapiro, Women in the Classical Wold: Image and Text, New York: Oxford University Press, 1994
[13] Robinson, “Good Luck”
[14] Fantham, Women in the Classical Wold: Image and Text pg. 239
[15] Molholt, "Roman Labyrinth Mosaics and the Experience of Motion”
[16] Molholt, "Roman Labyrinth Mosaics and the Experience of Motion”
[17] Robinson, “Good Luck” pg 10
[18] Grandes lajes e rodelas de mármore cortado
[19] Pensabene, “The Villa del Casale of Piazza Armerina” pg. 31

Bibliografia:
Fantham, Elaine, Helene P. Foley, Natalie Boymel Kampen, Sarah B. Pomeroy, and H.A. Shapiro. Women in the Classical Wold: Image and Text. New York: Oxford University Press, 1994.
Lefkowitz, Mary R., and Marueen B. Fant. Women's Life in Greece and Rome. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1982.
Pensabene, Patrizio, and Enrico Gallocchio. "The Villa del Casale of Piazza Armerina." Expedition 53, no. 2 (2001): 29-37.
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